domingo, 28 de dezembro de 2008

Ao fim de tudo

Eles se conheceram através de amigos em comum em uma festa.

Ele, um garoto tímido, gostava muito de ler, cultivava a sua sabedoria. Ela gostava da sair com as amigas. Mundos totalmente opostos, mas que ao mesmo tempo se atraíam. Ela gostava dos seus olhos castanhos e cabelo penteado para o lado com gel. Ele gostava dos seus brilhantes cabelos cacheados e seu sorriso encantador. Quando ele chegava perto dela, ela sentia um estranho arrepio; ele não sabia o que dizer, mas ao mesmo tempo, aquele silêncio entre eles significava muito mais do que palavras. Bom, esse sentimento durou algum tempo até que "conseguissem" se comunicar, quer dizer, esta era uma reação totalmente diferente do perfil dela, mas ele, já era de se esperar! Continuaram a se encontrar durante muito tempo. Realmente os melhores quatro anos da vida deles, e quando ela menos esperava, ele a pediu em casamento. A felicidade dos dois era intensa. Ele chegava em casa em torno das 18h30min, enquanto ela já estava em casa a sua espera.

Ele gostava daquela tranqüilidade de poder admirar a Redenção pela janela do seu quarto enquanto lia seus livros.

Certa vez, ele chegou do trabalho, largou a pasta em cima do sofá, foi até a cozinha, abriu a geladeira, tomou alguma coisa e se dirigiu ao quarto. Estranhou ao ver um par de sapatos de bebê sobre a cama, mas sabia o que aquilo significava.

Foram os oito meses e meio mais ansiosos da vida dele. Logo, nasceu uma linda menina. Conforme ela crescia, as contas da casa também cresciam. Ele ficava decepcionado, pois não podia mais chegar em casa e abrir um livro para ler. Mas ele agora era pai.

Aqueles anos se passaram muito rápido, e de repente, viu-se com 47 anos, cabelos brancos sobre a cabeça, e sua filha, com 21 anos, responsável, e mais bonita impossível, lembrava muito a mãe quando tinha aquela idade. Agora ela estava saindo de casa.

Ao ver a filha, lembrou de sua juventude, e como agora seu mundo estava totalmente diferente, pois ele nunca se imaginara um grande administrador, quase se aposentando, e pai de família. Mas uma coisa ele tinha certeza que permanecia igual, e que nunca iria mudar, o amor que sentia por sua mulher, desde que a viu.

E, finalmente, ele agora podia chegar em casa e ler seus livros.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Mil luzes, quatro olhos, um olhar


Acreditem, eu, este ser velho, briguento e sisudo, fui surpreendido.

Passei meus anos recriminando e menosprezando as atitudes românticas. Aqueles jovens casais falando um com o outro em língua que não deveria ser dita nem aos bebês, sempre me repugnaram.

As entregas de rosas às mulheres me causavam asco.

Beijos apaixonados, gentilezas, sutilidades, nada disso me impressionava ou tocava. E, confesso, ainda hoje não me emocionam.

Quando criança, se caísse e me machucasse, não chorava. Nunca chorei na frente dos outros. Poucas vezes chorei.

Na escola, meu apelido sempre foi coração de pedra.

Com a adolescência, aprendi que nem todos nasceram para apaixonar-se.

Ver as coisas simples da vida como magnitudes divinas nunca foi meu forte.

Em fase adulta, não amei.
Casei-me, é verdade. Mas, por sintonia. Por respeito e admiração. Minha esposa sempre foi uma companheira incansável. Amiga e vidente. Mal nos falávamos. Muitas vezes cheguei a ter receio do quê pensar perto dela. Era como se ela lesse meus pensamentos. Vaidosa e com um coração imenso. Tratava a todos como parentes. Talvez por frustração de nunca termos tido um filho.

Era uma boa mulher, minha esposa.

Depois, só me fechei para o mundo. Tornei-me a cada dia mais parecido com o arquétipo do velho rabugento. Nem mesmo meus amigos de longa data, os psicólogos, conseguiam ver em meu histórico algo que explicasse minha "Síndrome de Ostra".

Ontem, indo pra casa de ônibus, senti de repente como se algo chamasse minha atenção do lado de fora.

Olhei para o lado e vi a coisa mais linda que estes olhos, já cansados, poderiam ver. Era apenas uma carreata, de caminhões iluminados com inúmeras luzes monocromáticas de natal. Mas o dourado dos caminhões atravessou minha carne como a espada de Lancelot, e subitamente um sorriso apareceu em meu rosto e olhos.


Quando não mais podia ver as luzes, tornei meu olhar para o lado esquerdo e notei que um jovem rapaz me observava. Olhou-me como se enxergasse uma daquelas luzes brilhando em meus olhos. Naquele instante senti como se nascesse em mim a esperança. Ao ensurdecer do mundo, escutei meu coração pela primeira vez.
Ninguém jamais me viu como aquele menino, no ônibus, ontem à noite.

Pois é. Hoje fui pego com olhos de menino.


Ao som de: "Iris" - Goo Goo Dolls

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O desabrochar da rosa



Às vezes quando está tudo bem, quando a vida parece colaborar, no mesmo instante, perdemos o chão e vemos o mundo desabar, é como se nada daquilo que vivemos foi verdade, mas sim apenas um sonho. Cometemos erros graves, erros que às vezes acabam se tornando um vício, uma dependência. Alguns conseguem abrir os olhos a tempo de recuperar a vida, outros talvez não, ou, mesmo sendo tarde demais têm essa capacidade, apesar da dificuldade.

Sabe quando você faria tudo para ver aquela pessoa novamente, mas o destino os impossibilita? É isso que sinto quando lembro de momentos inesquecíveis que passei com pessoas que proporcionaram minha alegria durante muito tempo da minha vida.
Não me conformo em acordar e saber que aquela pessoa partiu cedo demais, apesar da força e da garra que levou em sua trajetória chamada: Vida.
Levo-a em minha memória como uma pessoa frágil, mas ao mesmo tempo forte o suficiente para superar uma dificuldade.

Entendo essa história como um exemplo, para não cometer os mesmos erros de castigar a si mesmo, porém ter muita determinação para vencer cada obstáculo da vida. Daria tudo para ouvir as palavras ditas da sua boca e o brilho dos seus olhos me dando a certeza de que conseguirei alcançar todos meus objetivos.

Ainda sou uma pequena rosa, mas quando desabrochar, quero ter o mesmo perfume, charme e beleza que encantava a todos.

Hoje, estou aqui falando de uma grande, pequena dor que estou aprendendo a superar.

"Queria ter aceitado, as pessoas como elas são, mas cada um sabe a alegria e a dor que trás no coração!".

Este texto é em homenagem a uma pessoa amada, aquela que fez eu enxergar que posso ser muito mais do que sou, e que faz eu acordar e saber que tenho forças para viver.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Ele ou Ela?

Foto retirada do site: http://www.slowdown.com.br/casal-maos-dadas1.jpg

Ela sente falta dos elogios.
Ele sente falta das indiretas.

Ela sente falta dos carinhos nas costas enquanto adormeciam. Ele sente falta dos cabelos dela escorrendo por seus braços enquanto ela dormia, serena, extasiada.

Ela sente falta dos longos abraços.
Ele sente falta do que vinha depois dos abraços.

Ela sente falta de dizer sem pensar tudo que passava pela mente.
Ele sente falta de não pensar enquanto ela falava.

Ela sente falta das noites de alegria e dos dias de espera.
Ele sente falta dos dias e das noites de paz.

Ela sente falta dos sonhos e planos.
Ele sente falta de rejeitar os planos.

Ela sente falta de fazê-lo entender que a vida só vale a pena quando se está com alguém.
Ele sente falta de tentar convencê-la que a vida é apenas momento e não vale a pena desperdiçar procurando 'um alguém'.

Ela sente falta da alma gêmea.
Ele sente falta de querer acreditar que não existe alma gêmea.

Ela sente falta dos amores perdidos.
Ele sente falta dos amores não vividos.

Ela sente falta de acordar cedo, vê-lo dormindo sereno, extasiado, levantar, preparar um chocolate quente e ir pra varanda ver o sol nascer e respirar o ar gelado da manhã. Esperando a companhia dele.
Ele sente falta de nunca ter feito isso com ela.

Ela sente falta das roupas que colocava pra ele ver.
Ele sente falta das roupas que ela tirava, pra ele então vê-la.

Ela sente falta das mãos dele, súbita e suavemente entrelaçando-se nas dela.
Ele sente falta do desejo súbito de suavemente tocar suas mãos.

Ela sente falta da cumplicidade dos diálogos.
Ele sente falta das palavras nunca ditas e cumplicemente entendidas.

Ela sente falta de não querer vê-lo indo pra casa sem ela.
Ele sente falta de não poder ir pra casa com ela.

Ela sente falta do último beijo, antes do fim.
Ele sente falta de não o ter dado.

Ela sente falta dele.
Ele? Bom, ele sente falta. Por isso tudo, ele sente falta dos dois.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Estréia

Como sempre, de manhã ela começa a se revirar. Vira pra um lado, para outro e nada de dormir. Na verade já está de cabeça pra baixo. Talvez achando alguma posição mais confortável. Mas essa não é uma manhã normal, ao menos não como nas últimas 30 e poucas semanas. Sim, ela conta as semanas. As vozes na rua parecem incomodar mais que o normal. Tem alguma coisa estranha e ela não consegue saber o que é. Mas tenta abstrair e voltar a dormir.

De repente, uma movimentação externa a acorda... é como se as paredes estivessem tremendo. A voz feminina de sempre, aquela doce e calma, começa a falar num tom mais ansioso, como se sentisse alguma dor profunda, um tom seco nas palavras, uma objetividade, uma irritação. Realmente, hoje é um dia estranho.

Outra voz, essa por sua vez nunca ouvida, diz que é melhor a moça ir dar um passeio, se acalmar, caminhar pelos corredores, afinal ainda não está na hora. A pergunta é: hora de quê?

Novamente as paredes estremessem. Deve ser algum ônibus ou carro passando.
Ela tenta, inutilmente voltar a dormir.
Digo inutilmente pois, agora muitas vozes na rua se acumulam. Uns falam mais alto que outros, por vezes parece uma briga, em outras um consolo.

Depois de muito tempo lutando, tudo em volta começa a mudar de cor, uma força estranha a empurra (ou será que puxa?).

Então, ela se vê ali, estranhamente gelada, tremendo. Quase num susto, volta a respirar.

É quando tem algo envolvido em seu corpo para aquecer-se. Ela abre os olhos, com medo. A voz - pensa ela. Enxerga, finalmente, a voz que ouvira durante essas últimas longas semanas. Sente seus pés e mãos analisados. Todo o corpo averiguado. E por fim, uma sentença: ela é perfeita.

Foi a primeira vez que alguém disse isso. E, fico feliz que tenha sido a última, logo na minha estréia.

Acordei para o mundo às 22h30min do dia 11/11/1985. Desde então, tenho problemas pra dormir.

Keny Alcalde.
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