sexta-feira, 11 de junho de 2010

Água morna


Não gosto de passar frio mas, também não gosto de calor.
Nunca sei se estou à frente nas tendências da moda ou se meu vestuário parou em décadas atrás.
Não gosto de lugares caros mas não me encaixo nos lugares baratos demais.
Meu gosto musical é tão inconstante quanto as hélices de um catavento.
Gosto de músicas que me lembrem momentos (bons e ruins). E, também gosto de músicas não me fazem pensar.
Praias no verão me atordoam. A serra no inverno também.
Nunca estudo. Mas, não deixo de ficar atenta na aula.
Se planejo, dá errado. Se ajo no impulso, estrago.
Não sou linda, protagoista de novela. Mas, não sirvo pro núcleo feio.
Não sou humorista, mas, não consigo falar sério.
Uso brincadeiras pra expressar verdades, mas também brinco sem querer expressar nada.
Não gosto de estar em evidência, mas invisibilidade também não me agrada.
Com os outros, me anulo para que brilhem. Mas fico contente quando reconhecem.
Cedo às vontades alheias mas adoro ganhar uma boa discussão.
Sou lenta pra entender muitos pensamentos, filosofias, piadas. Mas minha mente toma a velocidade da luz pra entender segundas intenções.
Dificilmente gosto do que todo mundo gosta.
Dificilmente gosto do que poucos gostam.
Não me arrependo de nada que tenha feito. Muitas vezes me arrependo de não ter deixado de fazer algo.
Rotina me cansa mas a falta de referência me deixa perdida.
Não consigo ter ordem mas tenho que saber aonde cada coisa está.
Só ando na linha pela adrenalina da possibilidade de surgimento de um trem.
Adoro entrelinhas mas uso, e às vezes abuso, da objetividade.
Prefiro chorar por ser magoada do que por saber que magoei.
Gosto ser adulada, cortejada mas, também gosto de um pouco de desprezo.
Romantismos não me atraem, mas por vezes me fazem chorar.
Não gosto de motéis mas, sempre os mesmos dois quartos me entediam.
Digo "Eu te amo!" a todos os amigos. Não consigo dizer aos meus amores.
Sou da liberdade, da privacidade e não me imagino sem isso. Porém, não sei se consigo viver só.
Amores melosos me sufocam. Amores relapsos também.

Sou assim, essa confusão de antagonismos.
Esse ser mediano, medíocre. Essa água morna. Algo não definido. Flexível, adaptável. Sem sal nem açúcar. Algo mais para o agridoce. Que causa estranheza e inquietude.

[Talvez o mais pessoal que eu já tenha escrito. Inspirado num dia frio e no sol queimando no rosto ao som de Só você manda em você - Vitor Ramil.]

terça-feira, 2 de março de 2010

Bifurcação no 8º andar


   Amanda é uma menina prática. Sociável, está sempre de papo com alguém. Sempre tem uma festa pra ir, um amigo pra visitar, um lugar pra viajar.  Bonita. Muito bonita. Cabelos lisos e negros, daquele tipo que qualquer brisa faz os fios escorrerem pelo rosto, deixando os olhos castanhos brincando de esconde-esconde. Corpo escultural, pela sutileza dos detalhes. Mesmo sem aquela acentuação comum das mulheres chamadas de violão. Tudo na Amanda é proporcional. No inverno, é de uma palidez encantadora. Fica linda de sobretudo, saia e scarpin. No verão, a pele rosada chama a atenção. E aos poucos o dourado toma conta. Nada é exagerado.
Inteligente, também. Se formou aos 22 anos e trabalha com comunicação de uma grande empresa.

   Amanda é colega de trabalho de Théo. Um menino de 24 anos, bem-humorado, de espírito leve, por vezes até engraçado. Trabalha na área de criação da empresa.  Fisicamente? Théo é comum. Os cabelos castanhos-claros quase ruivos. Olhos claros, daqueles que a gente nunca sabe se são verdes ou azuis. Mas não se engane, ele não é considerado pela ala feminina um "deus grego".
Théo não é o tipo de cara que conhece alguém e fica amigo. Não é o tipo de cara que vai para as festas pra encontrar mulheres. Não que não seja apaixonado por elas. É, e muito. Neste momento, Théo está apaixonado por uma mulher incrível.
Aliás, um de seus defeitos é se apaixonar facilmente. Nunca conta quando acontece, pois já percebeu que isto não lhe faz bem. Mas adora conversar sobre relacionamentos com Amanda e Luiza.

   Luiza é uma menina que não chama atenção na rua. Não é linda e não é feia. Até tem algumas coisas que lhe renderiam bons elogios, não fosse sua insegurança. É básica: "jeans e blusa branca está ótimo". É mais esperta que inteligente. Se formou em secretariado executivo e trabalha como braço-direito do gerente da mesma empresa de Théo. Romântica assumida. Sempre quebra a cara com relacionamentos tortos. Carente, mas sensata. Os cabelos ruivos dão um toque especial. Luiza tem um ar de camponesa perdida na cidade, tentando desesperadamente provar para o mundo que consegue se adaptar, consegue sobreviver, e acima de tudo se dar bem. No seu círculo social, pessoas dos mais variados tipos. Mas de uma certa forma, "todos são tão vazios" - pensa ela, todos os dias.
As noites que consegue tirar Théo de casa são as mais intensas. Conversas profundas, risos, momentos de silêncio interrompidos por mais risadas. Talvez seja o vinho, mas eles nunca param pra pensar nisso. Nestes momentos, Théo se solta um pouco mais que o normal. Fala mais, gesticula, anda pela sala com os pés descalços no tapete de pelo da casa dela.
Noites que fazem Luiza ficar desatenta durante dias. E esta parece estar perfeita.

   Enquanto isso, Amanda tenta convencer os amigos no pub, das qualidades de Théo. Conta como ele a inspira. Como ele é admirável pela simplicidade, objetividade e oportuninsmo (no sentido positivo da palavra). E deixa escapar um suspiro de desejo platônico. Que logo é afogado com um gole de Manhatan. Na memória, a lembrança dos olhares de Théo, as frases de duplo sentido, as segundas intenções faladas oporutunamente, e as caladas também.

   Na manhã seguinte, Théo acorda decidido. Vai se declarar, vai de uma vez por todas arriscar de forma inédita. Ele toma seu café da manhã enquanto ensaia cada palavra para não parecer patético. Ele sabe que não é bom em fazer jogos com palavras, acaba sempre sem reação. Mas ele tinha feito esta escolha e não podia mais voltar atrás. Ele já tinha sofrido demais com a solidão, e sabia que não era mais necessário. Abriu o jornal, tentando achar algo que lhe trouxesse da melodia imaginária do "sim" de volta para o lar. 
O horóscopo do dia dizia: "Declare-se. Não perca mais esta oportunidade. Pode ser a última."
   Se vestiu e foi para o trabalho. Entrando no elevador, deparou-se com Amanda, Luiza e alguns outros colegas. Olhou  para as duas e sorriu. Apertou o botão do 8º andar. Ao sairem do elevador, como sempre, as meninas lhe deram um beijo carinhoso de "bom trabalho". Théo respirou fundo, e com a voz mais esperançosa que já teve, olhou nos olhos do seu grande amor e sem hesitar, declarou-se.

[Inspirada pelo horóscopo do dia o1/o3/2o1o, lido no ônibus ao som de Falling Slowly - The Frames.]
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