
Acreditem, eu, este ser velho, briguento e sisudo, fui surpreendido.
Passei meus anos recriminando e menosprezando as atitudes românticas. Aqueles jovens casais falando um com o outro em língua que não deveria ser dita nem aos bebês, sempre me repugnaram.
As entregas de rosas às mulheres me causavam asco.
Beijos apaixonados, gentilezas, sutilidades, nada disso me impressionava ou tocava. E, confesso, ainda hoje não me emocionam.
Quando criança, se caísse e me machucasse, não chorava. Nunca chorei na frente dos outros. Poucas vezes chorei.
Na escola, meu apelido sempre foi coração de pedra.
Com a adolescência, aprendi que nem todos nasceram para apaixonar-se.
Ver as coisas simples da vida como magnitudes divinas nunca foi meu forte.
Em fase adulta, não amei.
Casei-me, é verdade. Mas, por sintonia. Por respeito e admiração. Minha esposa sempre foi uma companheira incansável. Amiga e vidente. Mal nos falávamos. Muitas vezes cheguei a ter receio do quê pensar perto dela. Era como se ela lesse meus pensamentos. Vaidosa e com um coração imenso. Tratava a todos como parentes. Talvez por frustração de nunca termos tido um filho.
Era uma boa mulher, minha esposa.
Depois, só me fechei para o mundo. Tornei-me a cada dia mais parecido com o arquétipo do velho rabugento. Nem mesmo meus amigos de longa data, os psicólogos, conseguiam ver em meu histórico algo que explicasse minha "Síndrome de Ostra".
Ontem, indo pra casa de ônibus, senti de repente como se algo chamasse minha atenção do lado de fora.
Olhei para o lado e vi a coisa mais linda que estes olhos, já cansados, poderiam ver. Era apenas uma carreata, de caminhões iluminados com inúmeras luzes monocromáticas de natal. Mas o dourado dos caminhões atravessou minha carne como a espada de Lancelot, e subitamente um sorriso apareceu em meu rosto e olhos.
Quando não mais podia ver as luzes, tornei meu olhar para o lado esquerdo e notei que um jovem rapaz me observava. Olhou-me como se enxergasse uma daquelas luzes brilhando em meus olhos. Naquele instante senti como se nascesse em mim a esperança. Ao ensurdecer do mundo, escutei meu coração pela primeira vez.
Ninguém jamais me viu como aquele menino, no ônibus, ontem à noite.
Pois é. Hoje fui pego com olhos de menino.
Ao som de: "Iris" - Goo Goo Dolls
3 comentários:
E precisa de comentários?
Muito bom mesmo,adorei esse texto !!!!!
MUITO SENSÍVEL O TEXTO. PARABÉNS. E OBRIGADO POR VISITAR O 'IDIOSSINCRASIA'.
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