quinta-feira, 6 de julho de 2017

A epifania do sofá


Sandra hoje percebeu que se tornou tudo aquilo que lutou contra e bravamente discursou que não seria desde o seu despertar de 'ser',

Anos tomando consciência do que via e de que não queria repetir as mesmas coisas. De que não precisava ser assim. E principalmente, de que ''COMIGO não seria assim''.

Pegava todas aquelas cenas, tudo que viu e ouvia e foi construindo o que ela queria ser, quem ela queria ser e como seria.

Hoje ela chegou a conclusão de que aos poucos foi se tornando tudo aquilo que jurou que não seria e tanto lutou contra.

Pois é. Acredite. Logo a Sandra.

Virou uma mulher independente e tão cheia de si  e que por isso não percebe o quanto é mais escravizada e explorada que sua avó ou bisavó era.

~Veja bem, não estou destruindo tudo aquilo pelo que milhares de mulheres lutam diariamente há décadas, os direitos iguais, nada disso. ~ Sandra apenas se deu conta que várias decisões mínimas diárias a fazem sentir mais objetificada do que ela achava que realmente era.

Tolstói, escritor russo brilhante no tocante à percepção da alma humana, em Anna Karenina (de 1877) diz através de Serguei Ivánovitch o que Sandra se deu conta apenas hoje: "Só acho estranho que as mulheres procurem novos deveres quando vemos, infelizmente, que os homens em geral fogem deles."

O que acontece é que ela sempre fez um esforço enorme pra ir na contra-mão da mulher que é educada pra ser namorada > noiva > esposa fiel e dedicada à casa e à família. Estudou e começou a trabalhar desde muito cedo pra que não tivesse essa dependência (financeira que depois é transformada em) emocional e cultural.
E durante anos fugiu de relacionamentos sem entender muito bem o motivo. Hoje percebeu que seu medo era exatamente o de se acomodar. Se tornar esposa. No sentido mais antigo da ''função''.

Mas do que ela fugia, afinal?
ACHO (e ela também) que fugia do estereótipo de dona-de-casa. Não por desmerecer, ou minimizar as que são. Mas, sempre soube que essa dedicação, esse altruísmo de por tudo e todos no topo da lista das prioridades jamais seria seu quinhão.
Sempre gostou muito de si e desejou muito o mundo. Ainda deseja. 
Sempre achou que não se relacionaria muito tempo com alguém pelo simples fato de que não ficaria muito tempo no mesmo lugar pra que isso fosse possível. E se, por ventura, acontecesse essa pessoa seria a parceria perfeita. A companhia ideal nessa aventura que é viver.

Acontece que hoje, ela se deu conta que trabalha 8h20min por dia, seis dias por semana, sem direito a um fim de semana livre, com mais uma média de duas horas dedicadas à casa entre compras no supermercado, louça, organização da casa, janta, marmitas, refazer os passos pra ir juntando roupas, xícaras, plásticos,... e mais a faxina de 3h nos domingos [afinal o trabalho era de apenas 6h nesses dias] e mais uma nos dias de folga, que podia arrastar móveis e usar o aspirador de pó e fazer mais barulho por ser antes das 22h.

''O que sobra?'' - ela pensou. Uma pessoa com sérios problemas de insônia, ataques de ansiedade e pânico antes de dormir que só amenizam quando o dia está clareando. Uma manhã perdida por estar em estado de coma dormindo já que o corpo foi levado à exaustão pra conseguir ''apagar'' sem artifícios.

Sem artifícios porque Sandra não toma álcool nem remédios pra 'ajudar'' a relaxar. 

Com uma infância marcada pelo alcoolismo na família, quanto mais distante fica, melhor. Infelizmente, nem todo mundo tem a mesma ideia do que é ser alcoolista e como isso impacta quem está perto. Não existe um marcador exato que diz: você chegou ao nível alcoolista.
Mas pra ela deveria existir um marcador de: 'Parabéns pela merda de vida que você está tendo e proporcionando aos outros. Continue fingindo que é normal a frequência e as quantidades, que está tudo bem, já que você bebe escondido e se livra dos 'rastros'. Isso é totalmente aceitável, normal, comum. Dr. Jekyll e Mr. Hyde comprovam isso desde 1941.'

Resumindo: Sandra acumula trabalhos de aproximadamente 11h por dia pra sustentar um padrão que não ela nunca quis. Ser dona-de-casa. Esposa dedicada à casa, trabalhadora, pagadora das suas contas mesmo sem sobrar um centavo pra aproveitar a vida.
E o mundo? Continua girando. Pelo menos agora ela vai poder ter um outro olhar tendo a consciência de si, e onde está em sua jornada. Quem sabe um dia ela se prepara pra sair e explorar.

p.s= a imagem está com link do site.
p.s² = Esta é uma obra de ficçãoqualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

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